Ao longo de seus 36 anos de vida, Bob Marley contribuiu para a criação de uma nova identidade para a Jamaica através de uma música vibrante capaz de unir “negros, brancos, chineses“, o reggae, uma sutil variação do ska, outro ritmo típico da região. Mas a contribuição de Marley para o mundo vai além das clássicas Redemption Song,One Love, I Shot the Sherif ou Sun is Shining, atingindo a espiritualidade, a ausência de convicções políticas e debates sociais e raciais, e é isto o que apresenta este documentário sobre o mito do reggae dirigido por Kevin MacDonald (O Último Rei da Escócia, Intrigas de Estado).
Filho da miscigenação entre um inglês branco e uma jamaicana negra, o tímido mulato Robert Marley tentava se encaixar em uma sociedade na qual o sonho das mulheres era casar com um “negro alto e forte” e o preconceito vinha na forma da rejeição pela família do seu pai. Refugiando-se na religião – abraçando o rastafarianismo e os característicos dreadlocks – e na música, Marley despontou como cantor na Jamaica, apesar do reconhecimento por seu talento não ter tido repercussão financeiro graças à ganância das gravadoras. Foi somente após fundar a banda Marley and the Wailers ao lado de Peter Tosh e Bunny Wailer que o cantor finalmente obteve reconhecimento mundial e apresentou o reggae a culturas diversificadas ao redor do mundo.
As vezes prolixo, vago e distraído nas entrevistas que dava, provavelmente sob efeito de maconha, Marley talvez não entendesse a sua influência na população – ou fingisse não entender. A sua tentativa de organizar um show gratuito com a ajuda do primeiro-ministro jamaicano Michael Manley dois dias antes da eleição (se você cheirou motivo eleitoreiro ao mesmo da parte do político, acertou) só poderia resultar em tragédia, levando Marley a se exilar da Jamaica no momento que ela mais precisava dele. Nem a reconciliação no retorno ao lar, com direito a pedido de paz, apagaria a imagem do cantor confortavelmente sentado sobre o muro da política, esquivando-se de buscar o melhor para seu povo (desagradam-me pessoas despolitizadas). Este egoísmo ainda marcava a sua vida íntima: os relacionamentos extraconjugais eram comuns e Marley ignorava a mágoa que provocava na esposa Rita e era desatencioso com os filhos – ao todo foram 11. Algo que, aliás, contrastava completamente com as atitudes altruístas e nobres dele, como o concerto realizado em Zimbábue e pago do seu bolso, que somente comprova a figura tridimensional do biografado.
Com uma extensa galeria de depoimentos, cujas opiniões acrescentam novam camadas ao mosaico do cantor, e muitas imagens de arquivo, vídeos, fotos e canções que enriquecem dentro do contexto da narrativa, Marley é um documentário gratificante sobre o homem, o músico e o legado deixado para o mundo.
Um mundo distante da utopia sonhada pelo cantor, mas pelo menos, um pouquinho mais unido por seu reggae.
* Disponível em DVD e Blu-Ray
Em Cartaz
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